Sentamos à mesa na casa dos seus pais com seus parentes e alguns que não sabíamos quem eram. Diziam coisas, riam baixo e era dezembro. Sobrava o nosso silêncio que os sustentava.
Entre tudo, meus olhos esbarraram sem querer nos seus, que vestiam seu melhor sorriso. Talvez como no dia em que éramos clandestinos naquele elevador. Quando disse, com seus olhos grandes, que queria saber como a desenharia se fosse um personagem. Respondi que não tínhamos tempo. Você falou dos meses, planejou anos, viagens. Disse do futuro e do rumo que tomaríamos. Todas as dores de cabeça, todas as noites sem sono, todas as estrelas maiores que nossos problemas.
E hoje contemplamos o fim do universo. Nosso último jantar, nosso último compromisso forçado, com sorrisos enlatados, para nos olharmos de novo como da primeira vez. Aos poucos a nossa carne vai se soltar dos ossos, abrir caminho, deixar correr veias, nervos, todos os mistérios e segredos.
Das paredes, onde seremos atirados pela explosão, veremos pássaros voando no céu e um momento perdido. Colocarei as crianças para dormir, prepararei o jantar, transarei com minha esposa, lembrarei do olhar perdido, fechado entre o elevador e a vontade de voltar. Do tempo que éramos clandestinos, contra as paredes, como tudo que não falamos por medo.
credits
from Voando Reto num Muro de Tijolos,
released November 4, 2020
Letras: Daniel Pandeló Corrêa
Voz: Daniel Pandeló Corrêa
Produção, mixagem e masterização: Sarah Abdala
Arte da Capa: Letícia Tomás
Escritor carioca radicado em Petrópolis. Tem três livros publicados e se prepara para uma nova fase na carreira usando áudio
e vídeo como plataformas literárias. Em 2020, ele lançará “Invocações”, “Voando Reto Num Muro de Tijolos” e “Pequenas Pessoas Desaparecem o Tempo Todo”....more
Poet Douglas Kearney and composer/producer/drummer Val Jeanty link up for a a compelling LP that feels like the written word come to life. Bandcamp New & Notable Mar 30, 2021